segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O Corpo na Avenida



Em uma avenida agitada
Usada por trabalhadores monótonos
Uma estranha figura mancava
Com suas pequenas mãos a pedir esmola

Era uma criança faminta
Com roupas rasgadas
E sem um sapato pra pisar

Aqueles trabalhadores continuavam a caminhar
Com olhos fixos ao horizonte
Vidrados em um alvo inalcançável e repetitivo
Continuavam a ignorar
Aquela fraca e frágil voz pedinte

Já não havia mais força naquele misero corpo
Já não havia mais carne de sustento naquele ser
Já não havia mais voz
Já não havia mais choro ou se quer lagrima

Enfim
O dia chegou

Junto com o sol que brilhava todos os dias
Iluminando as cinzas ruas da avenida
O olho do sol abria
Enquanto o olho do menino fechava
Deitando sobre o duro asfalto
Procurava descanso para sua vida miserável

Ouve se um grito ecoando pelos enormes prédios
A voz feminina desesperada
Uma voz assustada
Que acabara de ver a coisa mais horripilante

Uma multidão começou a aglomerar
Em volta daquela mulher que não parava de chorar
Ela insistente apontava para um corpo estirado no asfalto

Era o menino
Seu corpo estava frio
Seu corpo já estava imóvel
Apenas o sobro da morte pairava sobre aquele ser
Enquanto olhos de vidros congelavam aquela cena
Os olhos de carne derramavam lagrimas de emoção

Os grandes se questionavam como isso aconteceu
Os pequenos se culpavam por não ter ajudado

Um sentimento remorso invadia
Aqueles fracos corações
Daqueles que passavam todo dia
Ao lado daquela pobre criança

Uns acendiam velas
Outros faziam apenas uma oração
Alguns deixavam bilhetes de despedida
Outros apenas um olhar cético
Mas todos depositavam ali suas lagrimas de emoção

Aquele dia foi agitado
Foi o único dia que aquele garoto foi o centro das atenções
Trazendo sobre si uma fama mórbida
Atraindo pessoas curiosas

Mas como o dia acaba
O sol vai fechando seu olho
E a lua vem surgindo escurecendo aquela avenida
As pessoas se dispersavam
Tomando seu rumo rotineiro
Cada um em direção ao seu conforto monótono

Aquele ponto da avenida foi se esvaziando
Perdendo pessoas conforme as trevas da noite invadiam
As velas iam se apagando conforme o gélido vento batia
E o corpo do menino permanecia
Servindo de alimento aos vermes
Que festejavam a noite inteira

Não tardou até que um novo dia nascia
A velha rotina voltou
Os mesmos olhos vidrados percorriam aquela avenida
E ninguém mais se lembrava daquela vida
Enquanto aquele pequeno corpo apodrecia
Deixando no ar um cheiro fétido que misturava com a fumaça dos carros
E todos passavam por ali sem notar
Aquele estranho funeral

Os dias foram passando
Aquela carne foi deteriorando
Revelando aqueles raquíticos ossos
Evidenciando a miséria que havia naquele corpo

Quando um grito ecoou por todos
Um grito de uma mulher
Uma mulher que veio do interior

Seus olhos aterrorizados com aquela cena
Soluçava o que seria uma espécie de pergunta
Indagando as pessoas que por ali passava

Não tava para conter as lágrimas
Elas corriam livremente pelas curvas delicadas do seu rosto
O tremor havia dominado seu corpo

Alguns olhavam pra ela
E em suas cabeças apenas uma afirmação:
“Pobre garota, não sabe como a vida é dura!
Não sabe como isso é fútil!
Aquele garoto não era importante para nós!
Pra que dar atenção?”

Aquela mulher se assustava
Com o sombrio frio que pairava
Sobre aqueles olhos vidrados

Aquela mulher se deparava
Com uma realidade alternativa
A qual não estava acostumava
E nem muito menos sabia que existia

Quando uma figura de terno surgia no meio daquelas pessoas
Foi em direção àquela mulher ajoelhada
Repousou a sua mão sobre seu ombro
Sentindo seu toque, aquela mulher virou-se para ver

Aquele ser engravatado sorria
E voltando para a multidão que ali passava
Começo a gritar:
“Em meu governo não vou deixar que isso aconteça!
Eu vou lutar para limpar essa bela avenida
Desses tipos de sujeira que só tira atenção daqueles que nos vem visitar!”

Em um ataque de ira
Aquela mulher levantou
E desferiu um golpe em sua face
Descarregando toda a sua raiva

Segurou pela gravata
Olhos com olhos de vingança enquanto as lagrimas corria
E despejou em cima daquele cidadão:
“Você só pensa na sua candidatura?
Você não tem respeito por essa vida?
Como assim ela é um lixo?
Não tente esconder debaixo do tapete a sua podridão!
Não tente usar uma vida como degrau!”

Olhando para aquela multidão
Abriu a sua boca e deixou que as palavras ecoassem:
“O que vocês estão pensando?
Por que pra vocês isso é tão normal?
Uma criança é nada pra vocês?
Uma vida não é nada?
Por que vocês não sentem nada?
Por que vocês continuam a andar?
Por que vocês continuam a ignorar?”

Aquela mulher desconsolada
Retirou-se daquele lugar
Com os olhos úmidos de tristeza
Sua mente a culpava por não fazer nada
O sentimento de inutilidade invadia seu interior
Sentia-se fraca diante aquela enorme massa de gente
Sentindo impotente
Sem saber o que fazer
Apenas deixava que suas lágrimas corressem pelas curvas do seu rosto
Era a única coisa que podia fazer
Regando aquele duro asfalto
Sujo pela lama

Aquilo mexeu com algumas pessoas
Tirou o sono de outras
Fez com que algumas refletissem
Abalou os que só estavam de passagem
E humilhou aqueles que só que observavam

Mas uma coisa é certa
Quando o dia nasceu
Restaurando os velhos costumes
As mentes de todos estavam apagadas
Voltando a velha rotina
E voltando ao velho costume

Deixando aquele misero corpo
Apodrecendo
Enquanto os vermes festejavam
Sem ser incomodados
Com quem já passava por ali

E tudo voltou a ser como era antigamente





Ermanna Noboru Medeiros

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